Solidão invisível: o silêncio dos imigrantes e expatriados.

Nem todos os sonhos estão isentos de sofrimentos e dores, imigrantes e expatriados sentem dores e nem sempre há quem os escute.

Por Eliane dos Anjos Grizotti

5/19/20254 min read

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Solidão Invisível: O Silêncio dos Imigrantes e Expatriados

Por Eliane dos Anjos Grizotti

1. Introdução

"Você escolheu sair. Então por que reclamar?" Essa frase ecoa na mente de muitos imigrantes e expatriados quando tentam expressar sua solidão.

. O mundo vê a migração como um ato de conquista, uma oportunidade, um privilégio. Mas poucos enxergam o que acontece nos bastidores dessa escolha: a desconexão, a saudade que não pode ser nomeada, o medo de admitir que, apesar de tudo, há sofrimento.

A solidão do imigrante não é apenas física. Ela é psicológica, social e, muitas vezes, invisível. Como falar sobre a dor de estar longe sem parecer ingrato? Como admitir que, mesmo em um país melhor estruturado, há um vazio que não se preenche?

Este artigo convida o leitor a refletir sobre a solidão dos imigrantes e expatriados que não conseguem dividir suas dores, pois são constantemente invalidados. Mas, quem escolheu partir não tem o direito de sofrer?

2. A Solidão no Processo Migratório

A solidão do imigrante não se resume à ausência de familiares. Ela se manifesta na falta de pertencimento, na dificuldade de criar laços genuínos, na sensação de estar sempre à margem. Muitas das vezes, a casa pode estar cheia, mas a sensação de estar só permanece.

Estudos mostram que muitos imigrantes enfrentam isolamento social, agravado por barreiras linguísticas, diferenças culturais e a dificuldade de encontrar espaços onde possam ser ouvidos.

Além disso, há um fator psicológico crucial: a invalidação da dor. Quando um imigrante tenta expressar seu sofrimento, frequentemente ouve frases como:

· Mas você está em um país melhor!

· Pelo menos você tem oportunidades!

· Se não está feliz, por que não volta?

· Você pode comprar tudo o que todos nós queremos!

· Você conseguiu um emprego por aí!

· Seu marido está ganhando muito e você não precisa trabalhar!

· Qual o problema de abandonar sua carreira, isso é bobagem!

· Você não é grato pela oportunidade!

· Xenofobia é bobagem, basta ignorar!

· Você escolheu sair!

Essas respostas reforçam o silêncio. O imigrante aprende que sua dor não é legítima, que reclamar é um sinal de ingratidão. E assim, ele se cala.

3. A Perspectiva Psicanalítica: O Exílio Subjetivo

Lacan descreve o exílio subjetivo como um estado de deslocamento interno, onde o sujeito não consegue se reconhecer plenamente em nenhum espaço. O imigrante vive entre dois mundos: um que deixou para trás e outro no qual ainda não se encaixa. É não pertencer ao lugar de onde veio e nem pertencer ao lugar onde está.

Freud, por sua vez, nos lembra que a solidão pode gerar melancolia, um estado psíquico onde o sujeito se identifica com aquilo que perdeu, sem conseguir se desprender. Para muitos expatriados, essa melancolia se manifesta na nostalgia constante, na idealização do passado e na dificuldade de criar novas conexões.

4. Dores Reais e Falta de Suporte

A solidão do imigrante não é apenas um sentimento passageiro. Ela se torna um estado psicológico, uma ausência que se infiltra no cotidiano e se transforma em silêncio. Muitos imigrantes e expatriados enfrentam desafios profundos, mas quando tentam expressar suas dores, são frequentemente invalidados. É querer fazer um desabafo sobre seus sofrimentos, mas não ter com quem dividir.

A ideia de que o imigrante não pode reclamar, de que vive um privilégio, não condiz com as dificuldades de adaptação e de enfrentamento da solidão.

A cada busca por suporte falta, o desamparo se instala. Depois de algumas tentativas, o que se aprende é silenciar a dor. Afinal, como reclamar de algo que parece um sonho?

Contudo, esse sofrer pode trazer problemas de saúde mental, isolamento social, baixa autoestima, dificuldade em lidar com emoções, dependência emocional, problemas de relacionamento, a falta de validação e reconhecimento das emoções pode dificultar o processo de enfrentamento e resolução de problemas,

Diante da dor não reconhecida, o migrante pode se sentir só, mesmo cercado de pessoas. A solução, muitas vezes, é esconder a saudade, as dificuldades... Entretanto, a dor das perdas não faz parte das escolhas de quem sai de seu país, ao contrário, a romantização desse processo faz com que o acesso se dê apenas aos prós, não aos contra.

5. O Papel do Psicólogo Intercultural no Processo de Luto e Adaptação

A migração não é apenas uma mudança geográfica. É uma transformação profunda, que afeta a identidade, os vínculos e a percepção de pertencimento. O psicólogo intercultural atua justamente nesse espaço de transição, ajudando imigrantes e expatriados a elaborarem suas perdas e reconstruírem sua relação com o novo ambiente. Lembre-se: nem sempre é sobre voltar para casa. Às vezes, é sobre encontrar um novo lar dentro de si.

O imigrante enfrenta desafios que vão além da adaptação prática. Ele lida com o estresse cultural, a barreira linguística, a ruptura com sua rede de apoio e, muitas vezes, a invalidação de sua dor. O psicólogo intercultural oferece um espaço seguro, com uma escuta sensível para que essa experiência seja simbolizada e compreendida.

Lacan descreve o exílio subjetivo como um estado de deslocamento interno, onde o sujeito não se reconhece plenamente em nenhum espaço. O psicólogo intercultural ajuda o imigrante a reconstruir sua narrativa, permitindo que ele encontre novos significados para sua experiência e transforme o luto em um processo de crescimento.

A psicologia intercultural não busca apagar a dor da migração, mas sim dar voz a ela, permitindo que o imigrante se reconecte consigo mesmo e com o mundo ao seu redor.

6. Conclusão

A migração é um processo complexo, que envolve ganhos e perdas. Mas o sofrimento do imigrante não deve ser invalidado. A psicanálise nos ensina que o luto e a solidão precisam ser simbolizados para que possam ser elaborados.

O primeiro passo para quebrar esse silêncio é reconhecer que a dor do imigrante é legítima. Que estar longe não significa estar feliz. Que escolher partir não significa que não há saudade.

Porque todo exílio, por mais voluntário que seja, carrega consigo uma ausência que precisa ser nomeada. E silenciar essa ausência não faz com que ela desapareça.

Afinal, a solidão do imigrante não é sobre estar sozinho. É sobre não poder falar sobre isso.